Capítulo 8 - A Escuridão Além

        Minha volta para a Torre ou como se diz, casa, era sempre com retrospectivas e aprendizado. Não era impressão, realmente estávamos indo bem como esquadrão. Até Ashra que é um poço de mistérios chegou a dançar e as batalhas eram quase como brincadeiras. Pensando assim, dava pra imaginar que tudo seria fácil com eles por perto. Mas claro, isso era só o começo. Quem sabe o que nos aguardava na Lua.

— O que acha que vamos encontrar na Lua? — perguntei a Fantasma.

— A Lua Terrestre foi onde enfrentamos o terror da Colmeia pela primeira vez, e logo tornou- se o campo de batalha de uma grande guerra. Uma guerra que não vencemos. Nos anos desde então, a Colmeia vem destruindo sua superfície com fissuras e rachaduras enxameadas de horrores. Eu não faço ideia do que vamos encontrar, mas não vai ser bom. — disse ele, pensativo.

— Vai dar certo. — tentei ser otimista, e mudei de assunto. — Os Fantasmas Mortos? — eu não sabia como perguntar isso, mas ele soube como me responder.

— Construídos a partir de máquinas e da Luz do Viajante, Fantasmas guiam seus Guardiões na jornada para reconquistar nosso sistema solar. Cada Fantasma busca seu Guardião dentre os antigos mortos. O Fantasma serve como vigia, bibliotecário e mecânico, revivendo máquinas antigas e desvendando códigos

alienígenas. Nas situações certas, um Fantasma pode até salvar o Guardião da morte, como pôde ver. Mas Fantasmas não são imortais. Até onde todo Guardião sabe, cada perda é insubstituível. Abatidos e desprovidos de sua Luz, estes Fantasmas são contudo valiosos pela informação que eles preservam. Suas memórias recuperadas podem se provar vitais para a sobrevivência da Cidade. O problema de Fantasmas mortos preocupa os estudiosos da Cidade. Ainda há novos Fantasmas nascendo? Ou estaria o número de Fantasmas diminuindo? Será que chegará o dia em que nenhum Fantasma restará? Um fim ao nascimento de novos Guardiões? Se este dia está chegando, isso significa que a Cidade se encontra em uma corrida desesperada contra o tempo para curar o Viajante antes que este desgaste tenha seu preço.

— Uma corrida contra o tempo…

— O tempo... pode às vezes ser um dos piores inimigos.

E assim, o restante da viagem foi silenciosa. Perguntei sem jeito sobre uma coisa ou outra, como o “Punho do Caos” de Tyler, que caiu em meio aos inimigos feito um meteoro, e a Lâmina de Arco de Ashra, que enquanto em transe, era a sombra da própria morte. Foi um verdadeiro desfile de poder de arco.

Na Praça, muitos Guardiões iam para todo os lados. Correio, Criptoarque, mentores. Era uma corrida para organizar tarefas e voltar às missões, que agora se estenderiam por todo o sistema.

— Pode me dar todos! — Ia passando quando ouvi a voz discreta de Tyler, ele estava conversando com um daqueles robôs encarregados, e pegando algo.

— O que é isso? — perguntei.

— Contratos! Pegue também! Quando ver, já fez tudo.

— Mas para que serve?

— À medida que lutamos contra a Treva, a Vanguarda, o Crisol e outros aliados da Torre continuarão a investigar lendas perdidas e ameaças crescentes, oferecendo recompensas a todos os Guardiões para enfrentar estes perigos. Somente Guardiões possuem o poder de ir além da Cidade e aceitar estes desafios, colocando a sua Luz em risco contra qualquer obstáculo que os ameace.

Então eu peguei alguns contratos para ver como funciona. Eliminar inimigos no Cosmódromo? Se eu soubesse tinha pego antes.

— Ei, vocês. — Ashra nos chamava. — Já temos nossas coordenadas. Vamos pra Lua.

É mesmo, eu não voltaria para o Cosmódromo dessa vez. Era pra estar aliviada, não era?

— Certo, vamos lá. — Passei no Banshee para comprar munição antes de ir. De preferência, para lança-foguetes.

— Bora dar uma carreira nuns Escravos! — Tyler caminhava nervoso para sua nave. — Espero vocês na órbita pra irmos.

— Tudo bem, também estamos indo. — respondi.

— Tá. — Ashra.

Nossas naves se agruparam em um ponto da órbita, não podíamos arriscar aterrissar em terreno hostil sozinhos. Não fazíamos ideia do que iríamos encontrar. Fantasma me disse que um Guardião desapareceu procurando um caminho para entrar na Fortaleza da Colmeia, e íamos seguir o seu rastro.

Apesar de ser tão pequena comparada a Terra, e pertencer a ela, nos aproximando da Linha do Arqueiro, no Mar das Tormentas, ainda lá em cima, ela parecia enorme. Uma Lua enorme, dominada pela Colmeia. Branca, iluminada, e com cicatrizes esverdeadas.

— A base de apoio localizada aqui é o que muitos creem ter sido a primeira colônia fora da Terra. Foi aqui que ficamos cara a cara com Crota e suas legiões; uma força tão poderosa que abandonamos a Lua. Desistimos dela para manter a Colmeia longe da Terra. Esperávamos que fosse o suficiente pra eles. Eu costumava olhar pra cá à noite e me perguntar o que a Colmeia estaria fazendo, mas a única atividade que conseguia captar era difusa, como se estivesse bloqueada ou enterrada.

Aterrisamos um a um, e olhamos tudo em volta.

— Esse lugar é meio baixo astral. Precisando de uma pintura. — Nosso Titã já começava com seus comentários.

— Tyler, é a Lua. Esperava encontrar o que? Uma praia? — perguntou Ash.

— Seria bom!

— Vamos lá? Temos um rastro pra seguir. — interrompi. Estava apenas adiantando nosso confronto inevitável. Mas não estava com muita coragem pra isso.

— Ah sim, claro. O sequestrado. — Tyler deu uma risada.

— O sinal vem daquela direção. — Fantasma me informou.

Seguimos para o norte, subindo uma pequena inclinação que nos tirava a visão do restante da área. A aparência era mesmo de uma grande estação espacial abandonada. Com trilhos para transportes suspensos, laboratórios, tanques de sabe-se lá o quê. Tudo deixado para trás.

— O último relato do Guardião diz que ele capturou este velho Acelerador de uma Casa Decaída desconhecida. — disse Fantasma.

— Então também há Decaídos por aqui… — deduzi.

— São piratas, estão por todo lugar.

Tyler já entrava em um dos contêineres atrás de tesouros.

— Achei uma coisa! — fomos a seu encontro. — O que é isso?

— Filamentos de Hélio. — disse Ashra. — Deve ser o material em abundância nesse planeta. Vamos levar um pouco, pode ser útil na Torre. — ela conseguiu então a novidade que procurava.

— Vamos indo — peguei minha parte e saí. Ashra se aproximou.

— Qual é a pressa?

— Nenhuma. Não gostei desse lugar eu só… quero acabar logo com isso e ir embora.

Ela acenou lentamente a cabeça, como se entendesse seja qual fosse o motivo, que eu mesma não sabia ao certo qual era. Um mau pressentimento talvez.

Entramos em um lugar coberto bem maior, com pouca iluminação e tipicamente saqueado.

— Alguns destes equipamentos mostram atividade recente. Decaídos não reanimam sistemas velhos. Deve ter sido o Fantasma do Guardião. Vamos lá para hackear e ver o que conseguimos. — nos aproximamos do computador e Fantasma começou o seu trabalho. Tyler percorreu o perímetro e notificou que a única saída do lugar, era por onde entramos. — Posso ter exagerado… Certo. Ele estava procurando pelos restos de uma velha base da colônia. Não é longe. Quem sabe ainda esteja lá. — houve movimento em nossos radares e barulho vindo da porta. — Decaídos, estamos sendo caçados.

— Recepção calorosa. Que delícia. — Tyler já estava a postos.

— Adoro. — comentou Ashra, com desânimo, recarregando seu canhão de mão com a velocidade de um caramujo.

Então eles vieram. Rebaixados suicidas sem nenhuma estratégia de ataque como sempre. Apenas vinham em nossa direção como loucos. Alguns, quando atirávamos em sua direção, desistiam e saiam correndo com as mãos abanando sobre as cabeças. Era engraçado de ver.

— Invisível! — Ash gritou pra mim, e mais uma vez fez um Decaído cair com a cabeça estourada ao meu lado. Ela passou por mim com uma pose esnobe. — Ei, princesa, não posso te salvar dos bandidos toda vez. — e me deu uma cotovelada. Ela estava brincando ou era sério? Eu nunca iria saber. Era um Vândalo Sorrateiro, segundo Fantasma me informou. Como outros desses estavam vindo, fiquei mais atenta para identificar. Percebi que se prestasse atenção, notaria que sua silhueta tinha contornos azuis. Minha preocupação na verdade foi achar que podia ser Ashra, mas quando estudei seus movimentos, ela não seria tão desengonçada.

— Aê! Não gosto de ser encurralado. Tô indo lá fora. — gritou Tyler, já de saída.

— Vamos junto antes que ele faça alguma besteira. — seguiu Ashra, e eu consenti.

Em campo aberto, definimos nossas posições e lidamos com diversas ondas de inimigos. Ketches pairavam no ar e desembarcavam Capitães, Mechanoides, e seus peões aos montes. Nós adicionamos muito barulho ao ambiente desde que chegamos, é de se esperar que isso aconteceria.

— Podem pegar os seus Pardais agora. Estamos conectados. A base da colônia que ele estava procurando deve estar do outro lado da montanha, se ela ainda existir. — relatou Fantasma.

Montamos em nossos veículos e seguimos rumo ao objetivo. Para nossa surpresa, fomos recebidos pouco a frente por Rebaixados montados em “Pardais” que tinham armas de arco, e abriram fogo contra nós.

— Por que nossos Pardais não atiram também? — perguntei, indignada.

— Os deles são lanças. Lanças tanto parecem quanto têm som de velharia, mas elas se movem como uma barracuda. Faíscas eletrizam o motor, o que pode acelerá-la a velocidades fantásticas. Seu par de armas gêmeas dizima infantaria. Os Decaídos enviam Lanças como distrações de alta velocidade ou veículos de patrulhamento. Quantos as armas, realmente ainda não sei porque não implementamos essa tecnologia em nossos Pardais. — lamentou Fantasma.

— Tudo bem! Eu desço e acabo com essa raça! — disse Tyler, o heróico. E quando derrubou um deles, subiu em sua lança e abriu fogo contra o restante. — Toma essa seus demônios!

— Presta atenção pra onde vai mirar essa coisa! — Ashra prestava mais atenção nele do que nos inimigos.

Terminado o confronto, seguimos em frente, para a Âncora de Luz. Uma pequena estrada serpenteava pelo cenário.

— Bom, foi este o caminho que ele seguiu. — haviam instalações espalhadas por todo local, e no centro, uma espécie de Torre com uma grande sala ao topo, era ali que devíamos ir. — Parece que ele acampou aqui. Vamos ver o que ele deixou para trás. — acionei Fantasma no computador central do local. — As anotações dele. São todas sobre um lugar chamado “Templo de Crota”. Não fica longe daqui. Parece ser uma armadilha.

— Parece? — perguntei, sendo sarcástica.

— Adoro armadilhas! — sorriu Tyler — Só pra chegar e ver a cara deles quando verem que tudo deu errado.

— Odeio armadilhas. Meus planos e ataques são precisos. —reclamou Ashra.

— Vai dar tudo certo. Vamos indo. — sugeri.

Descemos por um dos janelões, e tomamos direção para leste. Uma estreita saída para encontrar nossa fortaleza.

— O chão aqui está oco por vários quilômetros. Quem sabe o que está acontecendo sob nossos pés? — Em uma clareira lunar, avistamos um grande portão. Altíssimo, e cercado por muralhas. Uma arquitetura típica da Colmeia. — Ora. Acho que encontramos o Templo. Adiante. Guardião morto. — Nos aproximamos. Eu estava toda arrepiada, Tyler andava girando em torno de si olhando para todos os lados. Ashra parecia ser inquebrável. Fantasma examinou o Guardião.

— Não resta nada. Nem mesmo a Luz. Cadê o Fantasma dele? —pensou em voz alta, olhando ao redor.

Ele então foi examinar a entrada. O portão, com mais de três metros de altura, tinha correntes ligadas em trancas com selos que eu não entendia. Tive uma sensação, e olhei para o sul, e vi vulto. Alguém nos observando. Parecia uma caçadora. Uma estranha imóvel bem ali, perto de nós, e ninguém a notou. Mas quando fui comentar as fechaduras da fortaleza se moviam, e quando voltei a olhar, ela havia desaparecido. Os símbolos estranhos começaram a brilhar, e então, os três selos e suas correntes se desintegraram.

— Pode ser melhor recuarmos… — sussurrou Fantasma, se transmaterializando para minha armadura. — Despertamos a Colmeia, não deixe que nos separem!

  — Pode deixar. — respondi. Me direcionei aos outros. — Em posição! — eles afirmaram e preparam todos os seus recursos.

Eles vieram. Escravos saíram na frente, correndo em grupos famintos em nossa direção. Acólitos se espalhavam pelos flancos para nos surpreender e Cavaleiros aguardavam na entrada para avançar depois das iscas morrerem. Jogamos granadas, foguetes e todo tipo de dano energético, menos nossos poderes especiais. Ainda não era preciso.

— Vamos avançar! — tomei a frente quando o Cavaleiro caiu. Precisávamos encontrar o Fantasma do Guardião, que estava ali em algum lugar. Alguns Acólitos que ficaram de guarda foram abatidos rapidamente por Tyler. Mas havia mais alguém.

— Vurok, cria de Eir. Uma Feiticeira forte, ela está guardando o Fantasma. — disse o meu Fantasma.

— Deixa comigo. — Ashra se adiantou, com uma metralhadora solar em mãos, e abriu fogo contra nossa recepcionista. Devo dizer que depois disso, ela não me pareceu tão forte. Quando tudo acabou, Fantasma foi tentar reviver o nosso pequeno desaparecido.

— O Fantasma está morto, mas ainda posso ler algumas de suas memórias. Essas cavernas seguem por vários quilômetros abaixo. A Colmeia está montando um exército aqui, se preparando para invadir a Terra. Precisamos detê-los.

— Ótimo! Vamos descer então! — Tyler já tomava um rumo qualquer.

— Não é por aí, ainda. Precisamos de informações. Eles têm uma biblioteca sob a Lua chamada de Tumba do Mundo. É onde a Colmeia guarda tudo o que aprendeu sobre a Terra. Temos que chegar lá embaixo e roubar tudo o que pudermos. Mas temos de voltar à Cidade e nos reabastecer de verdade.

— Certo. — respondemos.

De volta à Torre, relatamos tudo o que vimos aos mentores, e também nossos próximos planos.

— Tudo bem, mas tomem cuidado. Nosso inimigo parece ser irracional, mas pelo o que podem ver, há muito tempo eles vêm planejando algo grande. — disse Zavala.

— Certo, então vamos. — disse Tyler.

— Titã. Preciso de você na patrulha do Cosmódromo para eliminar um grupo de Decaídos e recuperar alguns materiais essenciais para nossas tecnologias, antes que as perdemos de vez. — Zavala interrompeu Tyler prontamente. Ele não poderia ir.

— Falando em dever de casa. Ashra. — chamou Cayde. Ela olhou pra ele com aquele olhar arrogante. — Queridinha, você está me devendo uma varredura perto do Observatório Celeste. Não tenho dados daquele local desde quando a Colmeia resolveu dar um alô. Você é a mais sorrateira que tenho contato no momento. Preciso mapear aquilo para enviar mais Guardiões pro fogo pesado.

Ela e Tyler olharam pra mim, pesarosos.

— Mas e a Tumba? Precisamos ver isso o quanto antes! — então eu iria sozinha?

— Dividir para conquistar, Guardiã. Relaxa, você dá conta. — disse Cayde. — Só entrar e sair rapidinho.

— Você consegue, Khiva. — disse Ikora.

Uma pontada de pânico tomou conta de mim, e nem as palavras ternas de Ikora estavam me ajudando. Eu tentava manter o controle, sem sucesso. Eu só conseguia pensar naquele Guardião caído às portas da Fortaleza, sem seu Fantasma, que aliás também estava morto. Sem nenhuma Luz. E nem sabíamos como tinha acontecido. Eu poderia acabar como ele com a pouca experiência que eu tinha. Eu estava prestes a desmoronar.

— Ei. — Tyler veio ao meu lado, sério. — Vêm comigo.

Subimos as escadas que davam para a Praça, e fomos para sua beirada. Eu nunca tinha visto ele assim, parecia outra pessoa.

— Sabe por que eu sou tão destemido e feliz?

— Não. — bem que eu queria saber.

— Eu não tenho medo de morrer. Não mais.

— Então você tinha?

— Sim! Eu era um verdadeiro rato. Tremia por tudo. Mas então aprendi a morrer, várias e várias vezes. Morrer se tornou fácil, um costume, e então me dei conta de que, se não for a sua hora, então não morrerá pela última vez. Imagine uma vida onde não temos mais a Luz que nos dá a segunda chance. Não seria bem pior? Temos muita sorte, não acha?

— Sim. — concordei. Eram palavras muito sábias as dele. Eu estava impressionada. — Tudo está acontecendo muito rápido. Parece que acabei de renascer e já vou entrar no ninho da Colmeia sozinha. Não me sinto forte ou equipada o suficiente para enfrentá-los.

— Então está na hora.

— De quê?

— De falar com Lorde Shaxx. Enfrente seres bem mais fortes do que a Colmeia, e assim, quando encontrá-los, eles não serão nada para você.

— Quanto às armas… — disse Ashra, chegando ao meu outro lado. — Posso te ajudar com isso. Conheço um cara. Quando ele chegar, iremos vê-lo.

— Obrigada, vocês dois… — eu já me sentia melhor.

— Somos um esquadrão. Você pode até ir sozinha até lá, mas estaremos aqui por você. — disse Tyler, e seu sorriso tinha voltado. — Além do mais, pode ser que a gente te alcance. Caso terminemos antes que parta, vamos juntos afinal. Só precisa ter mais confiança em si mesma primeiro. — deu uma piscadela.

— Mesmo?

Ashra colocou a mão em meu ombro.

— Claro, por que não? Se cuida. A gente se vê. — ela se retirou.

Cada um foi para um lado, e eu estava só. Precisava estar.

— Então é isso. — mas Fantasma ainda estava ali, ele sempre estaria. — Hora de ir para o Crisol, Guardiã.


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